Quando o Diagnóstico Chega: O Impacto do Câncer na Experiência Subjetiva
Há momentos em que a linguagem falha. O diagnóstico de câncer costuma ser um desses momentos. Algo se parte. O chão que sustentava a rotina, os planos, o corpo — tudo parece subitamente colocado entre parênteses. É como se o sujeito, diante da palavra que lhe atravessa — câncer — perdesse momentaneamente a possibilidade de simbolizar.
Bianca Ballesteros
7/23/20252 min read
Quando o Diagnóstico Chega: O Impacto do Câncer na Experiência Subjetiva
Há momentos em que a linguagem falha. O diagnóstico de câncer costuma ser um desses momentos. Algo se parte. O chão que sustentava a rotina, os planos, o corpo — tudo parece subitamente colocado entre parênteses. É como se o sujeito, diante da palavra que lhe atravessa — câncer — perdesse momentaneamente a possibilidade de simbolizar.
Mas é justamente aí, nesse lugar de quebra, que a escuta se faz mais necessária.
O trauma do inesperado
Winnicott dizia que o trauma ocorre quando não há alguém suficientemente bom ali para sustentar a experiência. O diagnóstico de uma doença grave frequentemente inaugura um tempo de intensas desorganizações: o corpo deixa de ser território confiável, o futuro se obscurece e o presente se torna espesso. A pessoa, antes "inteira", passa a se dividir entre exames, resultados, protocolos. E tudo isso acontece num tempo que não é só cronológico, mas psíquico — um tempo do susto.
É comum que a mente, nesse momento, tente se proteger: nega, racionaliza, se dissocia. Mas o corpo já sabe. E esse saber não é simples. Ele exige elaboração.
Um corpo que adoece, uma psique que resiste
Na clínica, recebemos essas experiências como quem acolhe um bebê que chora sem saber por quê. Não para calar o choro — mas para sustentá-lo. Quando alguém adoece, o que está em jogo não é apenas o corpo que precisa de cuidados, mas o sujeito que busca, no meio da turbulência, não perder a si mesmo. E isso só pode acontecer num espaço onde sua dor possa ser nomeada, sentida, reconhecida como legítima.
Winnicott nos lembra da importância do ambiente. E o ambiente, aqui, pode ser a escuta terapêutica, um olhar que não invade, não interpreta de imediato, mas acompanha. Silenciosamente, muitas vezes. Porque há dores que não precisam de respostas. Precisam de presença.
O medo, o luto, a vida
O diagnóstico de câncer convoca um luto: o luto do corpo saudável, do cotidiano previsível, da ilusão de controle. E como todo luto, ele vem em ondas. Em certos dias, tudo parece suportável. Em outros, o desamparo se impõe.
Mas é também nessa travessia que, às vezes, surgem novas formas de estar no mundo. Novas formas de vínculo, de presença, de verdade. Não há romantização nisso. A dor é real. O medo é legítimo. Mas há também potência no gesto de continuar sendo, mesmo quando tudo parece querer nos reduzir a uma condição.
Escutar é sustentar
Oferecer escuta a alguém que recebeu um diagnóstico de câncer é oferecer, mais do que palavras, um lugar. Um lugar onde o sujeito possa existir para além da doença. Onde ele não precise ser forte, nem otimista, nem exemplar. Onde ele possa simplesmente ser — com suas angústias, suas pausas, seus silêncios.
Porque antes do paciente, há a pessoa. E antes do tratamento, há uma história.
Bianca Ballesteros é psicanalista. Atende adultos, jovens e casais em São Paulo e online. Seu trabalho se inspira em Winnicott, na escuta do sofrimento e na confiança silenciosa de que a vida, mesmo em pedaços, pode reencontrar seu contorno.
